Tecidos, corpos e liberdade

vestir-se como ato político no Estado Novo português

Autores

  • Sofia Lopes Ribeiro IFSC Gaspar
  • Káritha Bernardo de Macedo IFSC Gaspar

Palavras-chave:

moda portuguesa, resistência estética, boutique, Estado Novo português, identidade feminina

Resumo

Este estudo investiga a moda em Portugal no período final da ditadura do Estado Novo português, que perdurou por 42 anos (1933–1974), com foco na atuação da boutique “A Maçã”, criada por Ana Salazar entre 1972 e 1974. Durante o regime de António de Oliveira Salazar, a identidade das mulheres era rigidamente controlada. Organizações como a Obra das Mães pela Educação Nacional (OMEN) e a Mocidade Portuguesa Feminina (MPF), mediadas pelo Governo, fiscalizavam social e midiaticamente o comportamento feminino e impunham uma estética considerada moralmente adequada aos ideais de Deus, Pátria e Família, regulando cores, comprimentos e formas do vestuário. Nesse contexto, a moda, em sua forma livre de ser, tornava-se resistência e posicionamento. Para compreender como essa resistência se expressava, foi elaborada uma planilha comparativa com base em duas entrevistas concedidas por Ana Salazar aos jornais Observador e Expresso. A análise abordou os seguintes tópicos em comum: identidade, resistência silenciosa, inovação e subversão estética, características do ambiente sociocultural e funcionamento da boutique. A partir da contraposição das informações extraídas das entrevistas, realizou-se uma análise de conteúdo segundo Bardin (1977), permitindo identificar convergências simbólicas e significados por trás do discurso da criadora. Os resultados evidenciam que, mesmo em meio à repressão, a estética podia operar como uma forma de liberdade. “A Maçã” não era apenas uma loja: era um espaço de expressão e refúgio. Ana Salazar, ao importar roupas de Londres, o centro da juventude vanguardista europeia, desafiava os limites da censura. Em plena ditadura, atravessar fronteiras físicas e simbólicas para trazer peças estrangeiras a Portugal era um ato ousado, quase transgressor. Esse gesto revelava mais do que uma escolha estética: era um manifesto silencioso de autonomia e modernidade. Dentro da boutique, a atmosfera era de experimentação. As vitrines, a música e o modo de expor as roupas criavam um ambiente de descoberta, onde as mulheres podiam explorar novas identidades e questionar o modelo de feminilidade imposto. Mesmo sem promover desfiles ou coleções autorais completas, “A Maçã” funcionava como um espaço de resistência estética, provando que a moda podia ser política, um instrumento de subversão e autoconhecimento. Assim, entre 1972 e 1974, “A Maçã” consolidou-se como um símbolo de como gestos aparentemente cotidianos, como escolher o que vestir, podiam adquirir significados profundamente políticos em tempos de repressão, e a boutique funcionava como um espaço de resistência silenciosa, mostrando que a moda podia ser muito mais que vaidade: tornava-se política, veículo de subversão estética e expressão de autonomia feminina.

 

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Publicado

2025-11-10

Edição

Seção

GASPAR